Orientações sobre divulgação de informação relativa a infetados por Covid-19

Ago 20, 2021 | Decisões CNPD

Consulte aqui o documento original

 

Na sequência da pandemia decorrente do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19 a importância da transparência das autoridades de saúde relativamente à evolução da epidemia e à sua atuação sobre a mesma tem-se mostrado fundamental para que a população compreenda as medidas adotadas, as escrutine e, sobretudo, para que haja a colaboração cívica que se mostra imprescindível em momentos de crise.

É neste âmbito que se verifica a divulgação e disponibilização diária de informação, efetuada pela Autoridade Nacional de Saúde, com totais nacionais de casos suspeitos, confirmados, recuperados e óbitos, bem como a distribuição regional do número de infetados e de óbitos. É possível ainda no sítio da Direção Geral de Saúde (DGS) obterse informação pormenorizada do número de infetados e de óbitos por concelho1.

Os dados disponibilizados publicamente pela DGS são fonte da informação para os órgãos de comunicação social e para entidades públicas e privadas que entendem dar-lhe visibilidade, de entre as quais se destacam os sítios institucionais dos municípios que, compreensivelmente, para dar tranquilidade às suas populações, têm publicado informação relativa à sua área territorial.

É sobre estas últimas que têm chegado à CNPD queixas de cidadãos que veem os seus dados pessoais, de identificação e contacto2, incluindo de crianças, expostos nas páginas e nas redes sociais da responsabilidade da autarquia local, após a confirmação do diagnóstico de Covid-19. Algumas autarquias locais não expõem os dados pessoais dos infetados, mas disponibilizam informação discriminada por freguesia, sem acautelarem o diminuto número de casos, os quais facilmente reconduzem, especialmente em pequenas localidades, à identificação dos doentes.

Não cabe neste documento averiguar o modo como tal informação chega ao conhecimento dos municípios e freguesias, embora não seja de mais relembrar que tanto os serviços de saúde da área, como as autoridades locais ou regionais de saúde, continuam obrigados a sigilo, seja por força das regras deontológicas a que estão sujeitos, seja pelas obrigações legais a que estão adstritos, de entre as quais se encontram as regras de proteção de dados. Do mesmo modo, o legítimo conhecimento da identidade das pessoas sujeitas a isolamento profilático pelas forças de segurança está sujeito a sigilo.

É neste quadro, e no exercício das suas atribuições e competências3, que a Comissão Nacional de Proteção de Dados vem definir, de forma sucinta, orientações de modo a garantir a conformidade da publicação da informação relativa à evolução da pandemia em respeito pelo regime jurídico de proteção de dados4.

1. As autarquias locais não podem publicar dados de saúde com identificação das pessoas a quem os mesmos dizem respeito.

Na verdade, esta informação está sujeita a um regime jurídico especialmente protegido, por corresponder a uma categoria de dados pessoais que é suscetível de gerar ou promover a estigmatização e a discriminação dos respetivos titulares5. E, na realidade, ainda que as autarquias locais aleguem necessitar de conhecer e divulgar dados de saúde identificados ou individualizados para a prossecução da sua missão genérica degarantir a saúde e a proteção civil das populações locais, esse tratamento dos dados dependeria de uma norma legal que o previsse e que especificamente acautelasse os direitos e interesses dos titulares dos dados6. Ora, tal previsão legal não existe. A outra hipótese em que se poderia fundamentar este tratamento e que corresponde ao consentimento dos titulares dos dados pessoais, dificilmente será neste contexto verificável. Com efeito, considerando a evidente situação de vulnerabilidade das pessoas que se encontram contaminadas pelo vírus, bem como a sua situação de dependência da intervenção das autoridades públicas, não se vê que as condições de emissão de um consentimento livre se verifiquem em concreto7.

De todo o modo, uma tal divulgação pública sempre se terá por desproporcionada, pelo impacto negativo que tem na vida das pessoas contaminadas – reitera-se, algumas das quais crianças –, com restrição excessiva dos seus direitos fundamentais, sem que se possa afirmar que a vantagem diretamente decorrente dessa divulgação, a existir, não é alcançável por outras vias menos lesivas e intrusivas da vida privada das pessoas8.

2. Pelas mesmas razões, também não podem ser publicados dados de saúde, mesmo sem identificação dos doentes, quando o seu reduzido número numa determinada circunscrição territorial, em função da respetiva dimensão populacional, permita a identificação das pessoas contaminadas.

Na realidade, são vários as situações relatadas à CNPD em que há divulgação de um ou dois infetados numa determinada freguesia. Quando a dimensão territorial da freguesia e o número de cidadãos que aí residem são reduzidos, é fácil identificar as pessoas que se encontram doentes. Por essa razão, esta informação de saúde cabe ainda no conceito de dados pessoais, por serem facilmente identificáveis as pessoas às quais a mesma diz respeito, e está por isso sujeita ao regime jurídico de proteção de dados pessoais. Considerando que, com a identificação dos doentes, se verifica o mesmo tipo de impacto na vida privada dos doentes, só pode concluir-se pela falta de legitimidade por parte das autarquias locais para a publicação desses dados, assim como pela desproporcionalidade desta publicação.

A CNPD recorda que as autarquias locais, no âmbito da sua autonomia e do legítimo desempenho da sua missão de garantia da saúde e da proteção civil, se devem abster de adotar iniciativas que impliquem a recolha e a divulgação de dados pessoais dos seus concidadãos quando as mesmas não tenham base legal, nem sejam execução de orientações da autoridade nacional de saúde.

Lisboa, 22 de abril de 2020

Five icon Direct Hit
Política de Proteção de Dados

Consoante o seu consentimento, os Cookies neste sítio eletrónico podem ser utilizados (i) para melhorar a sua navegação e desempenho, (ii) para analisar a sua utilização, (iii) para possibilitar a criação de conteúdos de publicidade direcionada ou (iv) para integrar com a gestão de redes sociais.

Por defeito, só os Cookies estritamente necessários se encontram ativos.

Poderá aceitar ou rejeitar todos os Cookies nos botões apresentados ou gerir ou desativar alguns destes Cookies selecionando as opções “Configurar Cookies”.

Para mais informações sobre tratamento de dados, visite, por favor, a [Política de Cookies] ou a [Política de Proteção de Dados].