Orientações sobre o controlo à distância em regime de teletrabalho

Ago 20, 2021 | Decisões CNPD

Na sequência da pandemia decorrente do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19 e das medidas de confinamento e isolamento social, o recurso ao teletrabalho[1]Considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação (cf. … Continue reading generalizou-se. É neste âmbito que têm chegado à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) várias questões relacionadas com o controlo, quer dos tempos de trabalho, quer da atividade laboral prestada em regime de teletrabalho a partir do domicílio do trabalhador.

De entre as medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica, o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, veio alargar, durante a sua vigência, o regime de prestação subordinada de teletrabalho. Neste contexto, e no exercício das suas atribuições e competências[2]Cf. alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 57.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Regulamento (UE) 2016/679, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados – RGPD) e … Continue reading , a CNPD define, de forma sucinta, orientações de modo a garantir a conformidade dos tratamentos de dados pessoais dos trabalhadores com o regime jurídico de proteção de dados e minimizar o impacto sobre a privacidade em regime de teletrabalho.

1. Em circunstâncias normais, os instrumentos de trabalho respeitantes a tecnologias de informação e de comunicação utilizados pelo trabalhador em teletrabalho pertencem ao empregador[3]Cf. alínea e) do n.º 5 do artigo 166.º e artigo 168.º do Código de Trabalho. . Quando seja este o caso, os trabalhadores devem observar as regras de utilização e funcionamento dos instrumentos de trabalho que lhe forem disponibilizados, só podendo, salvo acordo em contrário, utilizá-los para a prestação de trabalho. Contudo, dada a excecionalidade da atual situação e a impossibilidade de as entidades empregadoras se terem dotado em tempo de recursos tecnológicos para disponibilizar à generalidade dos seus trabalhadores, frequentemente os meios utilizados são privados, o que impõe maior cautela na imposição de algumas medidas.

Naturalmente que, independentemente da propriedade dos instrumentos de trabalho, no regime de teletrabalho o empregador mantém os poderes de direção e de controlo da execução da prestação laboral. No entanto, neste regime não existe qualquer disposição legal que regule o controlo à distância[4]Na verdade, em matéria de teletrabalho, está expressamente regulada a possibilidade de o empregador
efetuar esse controlo através do acesso à residência do trabalhador, entre as 9h00 e as 19h00.
, pelo que a regra geral de proibição de utilização de meios de vigilância à distância, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador[5]Cf. n.º 1 do artigo 20.º do Código de Trabalho , é plenamente aplicável à realidade de teletrabalho. Aliás, à mesma conclusão sempre se chegaria pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e da minimização dos dados pessoais[6]Cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do RGPD. , uma vez que a utilização de tais meios implica uma restrição desnecessária e seguramente excessiva da vida privada do trabalhador.

Por esta razão, soluções tecnológicas para controlo à distância do desempenho do trabalhador não são admitidas. São disso exemplo os softwares que, para além do rastreamento do tempo de trabalho e de inatividade, registam as páginas de Internet visitadas, a localização do terminal em tempo real, as utilizações dos dispositivos periféricos (ratos e teclados), fazem captura de imagem do ambiente de trabalho, observam e registam quando se inicia o acesso a uma aplicação, controlam o documento em que se está a trabalhar e registam o respetivo tempo gasto em cada tarefa (v.g., TimeDoctor, Hubstaff, Timing, ManicTime, TimeCamp, Toggl, Harvest). Ferramentas deste tipo recolhem manifestamente em excesso dados pessoais dos trabalhadores, promovendo o controlo do trabalho num grau muito mais detalhado do que aquele que pode ser legitimamente realizado no contexto da sua prestação nas instalações da entidade empregadora. E a circunstância de o trabalho estar a ser prestado a partir do domicílio não justifica uma maior restrição da esfera jurídica dos trabalhadores. Nessa medida, a recolha e o subsequente tratamento daqueles dados violam o princípio da minimização dos dados pessoais Do mesmo modo, não é admissível impor ao trabalhador que mantenha a câmara de vídeo permanentemente ligada, nem, em princípio, será de admitir a possibilidade de gravação de teleconferências entre o empregador (ou dirigentes) e os trabalhadores.

Apesar da inadmissibilidade da utilização de tais ferramentas, reafirma-se que o empregador mantém o poder de controlar a atividade do trabalhador, o que poderá fazer, designadamente, fixando objetivos, criando obrigações de reporte com a periodicidade que entenda, marcando reuniões em teleconferência.

2. Situação diversa é a necessidade de registo de tempos de trabalho, que pode ser efetuado por recurso a soluções tecnológicas específicas neste regime de teletrabalho.

Tais soluções devem limitar-se a reproduzir o registo efetuado quando o trabalho é prestado nas instalações da entidade empregadora (i.e., registar o início e fim da atividade laboral e pausa para almoço). Portanto, estas ferramentas devem estar desenhadas de acordo com os princípios da privacidade desde a conceção e por defeito, não recolhendo mais informação do que a necessária para a prossecução daquela finalidade[7] Cf. artigo 25.º do RGPD. .

Não dispondo de tais ferramentas, excecionalmente é legitimo ao empregador fixar a obrigação de envio de email, SMS ou qualquer outro modo similar que lhe permita, para além de controlar a disponibilidade do trabalhador e os tempos de trabalho, demonstrar que não foram ultrapassados os tempos máximos de trabalho permitidos por lei. Do mesmo modo, nada impede que este controlo da disponibilidade do trabalhador e do cumprimento dos tempos de trabalho se faça por via de contacto telefónico ou eletrónico por parte do empregador.

Lisboa, 17 de abril de 2020

References

References
1Considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da
empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação (cf. artigo 165.º do Código do
Trabalho)
2 Cf. alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 57.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Regulamento (UE) 2016/679,
de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados – RGPD) e artigos 3.º e 6.º da Lei
n.º 58/2019, de 8 de agosto.
3Cf. alínea e) do n.º 5 do artigo 166.º e artigo 168.º do Código de Trabalho.
4Na verdade, em matéria de teletrabalho, está expressamente regulada a possibilidade de o empregador
efetuar esse controlo através do acesso à residência do trabalhador, entre as 9h00 e as 19h00.
5Cf. n.º 1 do artigo 20.º do Código de Trabalho
6Cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do RGPD.
7 Cf. artigo 25.º do RGPD.
Five icon Direct Hit
Política de Proteção de Dados

Consoante o seu consentimento, os Cookies neste sítio eletrónico podem ser utilizados (i) para melhorar a sua navegação e desempenho, (ii) para analisar a sua utilização, (iii) para possibilitar a criação de conteúdos de publicidade direcionada ou (iv) para integrar com a gestão de redes sociais.

Por defeito, só os Cookies estritamente necessários se encontram ativos.

Poderá aceitar ou rejeitar todos os Cookies nos botões apresentados ou gerir ou desativar alguns destes Cookies selecionando as opções “Configurar Cookies”.

Para mais informações sobre tratamento de dados, visite, por favor, a [Política de Cookies] ou a [Política de Proteção de Dados].